Crítica do www.bocadoinferno.com
(contém SPOILERS - revelações importantes sobre o enredo)
Ok, existe alguma ousadia, ainda que imperdoável, em se aproximar de um clássico irretocável (e intocável) como “O Enigma do Outro Mundo” (1982). Possivelmente os produtores Marc Abraham e Eric Newman – responsáveis por “O Último Exorcismo” (2010) e “Seres Rastejantes” (2006) – perceberam isso “quase” a tempo; e o que era anunciado como um questionável remake transformou-se estrategicamente numa questionável prequel. “A Coisa“ (nota 1: não confunda com a produção B homônima dos anos 80 em que chantili alienígena brotava do chão; nota 2:
atenção para o milagre inesperado no qual as distribuidoras brasileiras
optaram por uma tradução literal do título em inglês) é um apanhado de
conceitos e ideias apresentadas no original – “O Monstro do Ártico” (The Thing from Another World) produção por sua vez inspirada no conto “Who Goes There?”, do escritor de ficção científica americano John W. Campbell Jr., dirigido por Christian Nyby e Howard Hawks em 1951 – e na releitura rodada por John Carpenter
em 1982. Neste ponto, faz se necessária uma observação direcionada
àqueles opositores ortodóxicos de toda e qualquer refilmagem: “O Enigma” de Carpenter é sem dúvida nenhuma, superior ao original da década de 50. Mas voltando a produção de 2011, como alguns já suspeitavam, o remake/prequel, apesar dos recursos e dos bons efeitos utilizados, não tem fôlego para superar nenhum dos seus dois antecessores.
(Mea Culpa do autor: por considerar “O Enigma do Outro Mundo” (1982)
um dos melhores filmes do gênero e tê-lo como um de seus favoritos, a
comparação entre as versões tornou-se praticamente inevitável.)
É
fato ainda que algumas “coisas” incomodarão o espectador mais exigente.
A primeira e a principal delas, já citada no subtítulo da crítica, é a
irritante indecisão do enredo. Quando entendemos que o filme é uma pré-sequência – como o roteirista Eric Heisserer (“Premonição 5”)
faz questão de esclarecer, reproduzindo após os créditos finais os
primeiros minutos da versão de 1982, ao som da emblemática trilha sonora
de Enio Morricone
– fica difícil aceitar que o desenrolar da trama seja tão semelhante ao
roteiro escrito em 1982. No enredo, uma equipe pesquisadores liderada
pelo Dr. Sander Halvorson (Ulrich Thomsen, de “O Clone”,
2008) é transportada até uma base norueguesa localizada numa região
remota da Antártida, perto da qual foi encontrada uma gigantesca
espaçonave alienígena debaixo do solo congelado. O grupo resgata então
um cadáver intacto de uma criatura aprisionada em um grande bloco de
gelo. Como era de se esperar, a “coisa” acorda e ataca os cientistas,
mas acaba morta. A paleontóloga Kate Lloyd (Mary Elizabeth Winstead, a cheerleader de “À Prova de Morte”),
uma das duas mulheres entre vários homens (o roteiro descarta qualquer
tipo de tensão sexual), descobre que as células da criatura continuam
vivas, se duplicando e podem estar agora copiando as humanas. Sem saber
quem está ou não contaminado, cria-se então um clima de paranoia e
terror em que todos são suspeitos.
Os
principais detalhes que foram acrescidos ao enredo de 1982 – como a
protagonista feminina, a incursão na espaçonave e a retirada da criatura
alienígena – também não são bem aproveitados; falta carisma a
paleontóloga, a nave é quase que ignorada e a criatura é facilmente
destruída. Outras sequências clássicas da versão anterior também são
refeitas de maneira preguiçosa, como por exemplo o episódio em que todos
são submetidos a um teste para identificar quem estaria infectado.
Enquanto no “Enigma” de Carpenter
este era um dos momentos de maior tensão – o sangue de cada um dos
pesquisadores era exposto ao calor (o sangue contaminado acaba reagindo e
tomando forma em uma das “coisas” do filme) – na nova refilmagem os
infectados são identificados pelas obturações. Embora faça sentido, já
que as células alienígenas não conseguiriam copiar o metal (quem não
tivesse nenhuma obturação era, portanto, suspeito), a cena perdeu muito
em matéria de suspense, principalmente pela maneira mecânica em que
transcorre o exame “bucal” dos personagens. Além disso, o roteiro não
traz qualquer tipo de revelação ou reviravolta que poderiam de alguma
maneira contribuir para a construção de uma mitologia que poderia, quem
sabe, servir de base para uma nova franquia.
O longa também peca pela incrível ausência total de suspense – alguma boa alma avisou para o Sr. Eric Heisserer
que o suspense deveria ser a tônica em uma trama onde pessoas isoladas
no meio do nada são acuadas por um inimigo desconhecido? É só assistir
clássicos como “Alien” (1979) ou mesmo “Tubarão“
(1975). Se bem que nosso amigo roteirista já apresentava antecedentes
negativos, basta lembrarmos que ele é o responsável por deturpar outra
produção cultuada dos anos 80 ao escrever o roteiro de “A Hora do Pesadelo”(2010).
Contrariando um pouco a regra, os
efeitos especiais em CGI, ainda que não se imponham como os efeitos
animatrônicos que marcaram a versão de Carpenter,
não chegam a comprometer; são na verdade até bem utilizados. As
criaturas são bem detalhadas e as fusões entre as estruturas humanas e
alienígenas representam alguns dos melhores momentos do filme.
Certamente os efeitos consumiram boa parte do orçamento de US$ 38
milhões – e por falar em números, “A Coisa”
fez feio nas bilheterias americanas, arrecadando pouco mais de US$ 27
milhões. Fracasso que acabou atrasando o lançamento do filme aqui no
Brasil (que deve ocorrer diretamente em DVD/Blu Ray).
Enfim, esta sequência de muitos enganos e
alguns poucos acertos, somadas a uma direção extremamente convencional e
levada no piloto automático pelo holandês Matthijs van Heijningen Jr. e ao elenco apático (só para relembrar: no “Enigma” tínhamos Kurt Russel no auge de sua admirável canastrice), faz de “A Coisa”
uma produção totalmente “sem alma” e pouco divertida. Um último
conselho: arrisque apenas se não tiver visto as versões anteriores ou
corra o risco de indignar-se, como este o autor deste texto.
NOTA do Dj alma: 5,0